Chico Bento Moço e o teste de Bechdel-Wallace
O que é o teste de Bechdel-Wallace?
Em 1985, inspirada por sua amiga Liz Wallace, a cartunista Alison Bechdel publicou uma tira onde duas mulheres conversam sobre o que assistir no cinema. Uma delas diz que tem uma regra, e explica que só vê filmes que cumprem três requisitos básicos:
- O filme deve ter no mínimo duas mulheres;
- que conversam entre si;
- sobre algo que não seja um homem.
Anos depois, esses critérios seriam usados para avaliar a participação feminina em obras de ficção, o que ficou conhecido como teste de Bechdel-Wallace.
Aplicando o teste em Chico Bento Moço
Não é novidade para ninguém que a revista do Chico Moço é protagonizada por um homem. Afinal, é o nome dele que está no título! Porém, também tivemos contato com várias mulheres marcantes durante a publicação, como a vó Dita, dona Cotinha, Rosinha, dona Marocas, Fran, Yo, Ferrugem, Anna e Sofia. Mas até que ponto elas (e outras personagens femininas) efetivamente participaram das histórias?
O teste de Bechdel-Wallace é uma das ferramentas que nos permite fazer essa análise. Para avaliar as 75 edições de CBM, eu usei os seguintes critérios:
- O roteiro deve ter ao menos duas mulheres, e elas devem possuir nome e falas;
- Elas devem conversar entre si;
- Sobre algo que não seja um homem.
Resultados e alguns outros dados
Das 75 edições analisadas, apenas 29 (38,7%) passaram nos três testes. Ainda, 55 edições (73,3%) foram roteirizadas exclusivamente por homens. Petra Leão foi a única roteirista mulher de CBM, sendo responsável por escrever 20 edições (26,7%), uma delas em coautoria com Marcelo Cassaro.
Limitações e considerações
Admito que fiquei em dúvida em muitas edições que passaram nos testes 2 e 3. Dá para considerar uma conversa quando as personagens só trocam meia dúzia de palavras entre si numa conversa em grupo? Normalmente, o "diálogo" não passava de dois balões de fala para cada personagem sobre um assunto corriqueiro, e olhe lá.
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| Seria isso um diálogo? |
Querendo ou não, este é um teste subjetivo, e é necessário levar isso em conta ao avaliar os resultados.
Também precisamos ter em mente que uma obra reprovada no teste de Bechdel-Wallace não é necessariamente ruim ou misógina, e muito menos um reflexo do caráter do roteirista. Um exemplo é Vida na república, de Petra Leão: uma ótima edição, mas que não passou em nenhum dos critérios. Quase toda a história se passa em uma república masculina, de modo que é compreensível que nenhuma mulher participe da trama. Já a duologia Zona de contágio, de Wagner Bonilla, tem duas protagonistas marcantes e essenciais para o desenvolvimento do enredo: Rosinha e Sofia. Contudo, elas estão em núcleos diferentes e não interagem entre si em nenhum momento, o que não diminui a qualidade da obra.
Conclusões
O teste de Bechdel-Wallace é útil para observar uma tendência dentro de um contexto mais amplo (filmes de terror no geral, por exemplo), mas perde o valor quando empregado em uma única obra. No caso de CBM, cabe ao leitor tirar suas próprias conclusões sobre a qualidade de cada edição. E, como já foi dito anteriormente, a análise é subjetiva.
Das 29 edições que passaram no teste, destaco
- A onça e o ouriço (Marcelo Cassaro e Petra Leão),
- Diferente (Petra Leão),
- Guardião da floresta (Petra Leão),
- Agronomíadas (Petra Leão) e
- Rosinha na África (Petra Leão),
por serem roteiros que desenvolvem as personagens femininas fora de um contexto romântico. E creio não ser coincidência que todos foram escritos por uma mulher.
Com base nos resultados do teste, é possível afirmar que a participação feminina como um todo nas histórias de CBM foi insatisfatória. Lembrando que, da mesma forma que um roteiro não é misógino apenas por ter sido reprovado, ele também não é superior ou feminista por ter sido aprovado.
Aprofundando a análise, podemos nos perguntar se as mulheres da revista foram protagonistas na mesma medida em que os homens. E, quando houve participação, com que frequência ela estava relacionada ao relacionamento com um homem? (Grande parte do desenvolvimento de Rosinha e Fran, as duas personagens femininas com maior número de aparições na revista, esteve associado ao romance com o Chico, por exemplo). É necessário refletir e discutir sobre essas e outras questões de representação — como os estereótipos da mulher na geladeira, da donzela em perigo ou da rivalidade feminina, mas esse é um assunto para outro post.
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Obrigada por ler até aqui! Até a próxima!






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